quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Repostando a mais recente edição da coluna "Direito, delírio, experiências e coisas reais", escrita por Rodolfo e Guilherme, colaboradores externos da LAJUP, retratando um pouco das experiências e angústias com a ocupação Morro dos Carrapatos. A seguir, copiamos o texto, originariamente publicado semana passada, dia 21/01/2016, aqui no blogue da Assessoria Jurídica Popular
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- Era ali?
- Foi aqui seu moço.
- Mas quem abriga a intolerância ao outro?
- Quem desabriga a esperança do povo?
- É que insistem em abortar o novo, seu moço.
- Mas calma lá, nós arranja outro lugar.
- Será?
- E se ficar?
- E se for pra lutar, lutar essa luta com os que forem ficar?
- O homem coletivo sente a necessidade de lutar.
- O homem coletivo sente a necessidade de lutar.
- O homem coletivo sente a necessidade de lutar?
- Todo dia, seu moço,
- Pouco a pouco, seu moço,
- Todo dia eu morro esse morro.
- Subiram o morro, passaram o caminhão nos barraco abandonado.
- Acho que os homi tá ca razão mesmo.
- Disseram-nos um direito cego, direito que nos dá medo.
- Vão derrubar tudo!
- Já?
- Já tem prazo, é prazo pra nós arranjá outro lugar.
- E dá pra aumentar?
- Podemos tentar.
- Vocês conseguem?
- Vocês conseguem.
- Podemos tentar. Será que o juiz conversa com nós?
- Sim. Pede licença e faz teu grito. Faz o teu direito.
- Será que o seu doutor ouviu a gente?
- Não importa, acho que vou embora antes mesmo de dezembro.
- Será domingo, depois da missa.
- Como queria que, por um dia, o direito se entortasse sem um teto, sem um puto no bolso, recebendo olhares desconfiados, sem ter para onde ir.
- Era preciso mesmo putalizar o direito, tirá-lo desse sossego.
- Ah, nesse dia, seu moço, o direito subiria, subiria direto para o morro.
- Levantaria, no desespero, um pequeno barraco de madeirite e lona.
- Em cima do chão batido, aprenderia a chamar de moradia seu abrigo, sua maloca.
- Veio nova ordem superior, lá da capital.
- Deu certo a pedição?
- Não.
- Apenas mais quarenta e cinco dias.
- Mas não se preocupe, meu amigo.
- Quarenta e quatro.
- A vida, seu moço, é realmente diferente.
- Quarenta e três.
- Ao vivo.
- Quarenta e dois, quarenta e um.
- É muito pior
- Quarenta, trinta e nove, trinta e oito.
- Artigo quinto, inciso vinte e dois.
- Trinta e sete.
- Artigo quinto, inciso vinte e dois.
- Trinta e seis.
- Trinta e cinco.
- Trinta e quat…
- Trinta e…
- Tr…
- …
- ...
- Todo dia, seu moço,
- Pouco a pouco, seu moço,
- Todo dia eu morro esse morro.


Esse texto foi inspirado nas atividades de assessoria jurídica popular exercidas pela LAJUP (Lutas Assessoria Jurídica Universitária Popular) junto aos moradores do Morro dos Carrapatos, ocupação urbana de cerca de 40 famílias na cidade de Londrina/PR.  Essa comunidade vem sendo ameaçada de despejo, por uma ordem judicial concedida em setembro de 2015, que concedeu 45 dias para reintegração de posse, tempo este prorrogado para mais 45 dias em julgamento de agravo de instrumento. As histórias dos moradores do Morro dos Carrapatos e os informes sobre a ocupação podem ser encontradas na página da LAJUP.
Reunião com moradores do Morro dos Carrapatos

Pensando no acúmulo e na articulação que este blogue proporciona aos diversos grupos de assessoria jurídica e advocacia popular no país, deixamos disponível as “pedições” de contestação e o agravo de instrumento protocolados no processo. Não poderíamos deixar de fazê-lo, principalmente pelo fato de que ambos são frutos não só de um de trabalho coletivo envolvendo estudantes, advogados e advogadas, e os morados do morro dos carrapatos, como também de conversas com outros tantos que militam na assessoria jurídica popular e que generosamente disponibilizaram suas “pedições”, pesquisas e experiências sobre o direito e, sobretudo, as coisas reais.