sábado, 22 de junho de 2013

CARTA ABERTA AOS MANIFESTANTES

Se você é capaz de indignar-se a cada vez que uma injustiça é cometida no mundo, então somos companheiros.
Che Guevara

Por meio desta carta, nós, alunos da Universidade Estadual de Londrina participantes do Projeto Lutas, compartilhamos com vocês a visão e a análise do grupo quanto às manifestações que estão ocorrendo em Londrina e no país inteiro.
Diante da forma que as manifestações estão se desenrolando em grandes centros urbanos, particularmente em Londrina, é preciso ter calma para avaliar o que tudo isso representa.
O único fato objetivo do qual podemos partir é a ocupação das ruas pela juventude, que está acontecendo em diversos centros urbanos. Assim, esse é o ponto de partida que tomamos para compreender o fenômeno em sua totalidade social.
Essa onda de protestos teve início com as manifestações organizadas pelo passe livre, que se identificavam com algumas aspirações populares concretas. Tratava-se de lutar contra um tipo de dominação classista, no caso o alto custo do transporte público. A ocupação das ruas era uma forma de dar visibilidade a essa luta organizada.
Houve, então, ao que parece, um episódio divisor de águas. No quarto ato de protesto ocorrido em São Paulo, foram amplamente registrados e divulgados atos de violência e  repressão policial. Muitos de nós viram pelo Facebook vídeos e fotos que causaram extrema indignação. A primeira aparência era que o Estado estava dando um tiro no pé. A indignação com a repressão fez crescer, de forma extremamente rápida, uma solidariedade na juventude e uma perceptível vontade de ocupar as ruas, como uma forma de “provocação rebelde” às autoridades. Mas a reação foi rápida... A mídia hegemônica e os governos mudaram o discurso em relação aos protestos, nos dando uma aula prática sobre a eficácia do controle social em suas linhas nebulosas de manipulação. De uma hora para outra, os valores liberais e conservadores da classe média se infiltraram nas manifestações.
A partir disso, os jovens começaram a, cada vez mais, dividirem-se entre si. O ativismo da juventude começou a atirar para todos os lados, cada qual de acordo com as próprias preocupações. Na rua, os jovens mais parecem formar uma fumaça dispersa do que um bloco contra-hegemônico combativo.
Sim, todos ali estão indignados. Mas por motivos diferentes. Temos desde o anarquismo vulgar de um lado, chegando aos extremos do fascismo nacionalista e militarista do outro. Em outro nível, fica uma massa meio amorfa, uma molecadinha que não sabe direito o que quer transformar e, por isso, berra contra a corrupção, declara-se contra qualquer partido político e vira uma boiada apolítica, sem rumo pragmático em suas manifestações. Sem contar ainda os que não querem “ficar de fora da revolução”, e saem às ruas como quem vai a uma cervejada universitária encontrar os amigos.
Nesse contexto heterogêneo, chega a ficar meio que invisibilizada a pauta da militância dos movimentos sociais. Muitos já estão na rua há anos, lutando contra o sistema, ocupando espaços, querendo superar as formas de dominação de forma concreta. O gigante não acordou agora. O poder popular está acordado há muito tempo, chamando o povo para rua e lutando contra a mesma repressão que criou essa indignação toda.
O nosso grupo tem como um dos objetivos atuar junto aos movimentos sociais, que vivem a luta no cotidiano, na pele. Não dá para deixar de considerar o histórico de diversas lutas sociais que existem de forma concreta há décadas, e muito menos aceitar que sejam hostilizadas suas bandeiras, levantadas entre outras tantas, como vem ocorrendo no país.
No contexto geral, vemos um ativismo que fica entre uma “modinha de protestar” e uma proposta efetiva de transformação social, oscilando de acordo com o nível de engajamento real que a juventude pode ter. Assim, o momento é para que todos se conscientizem das contradições sociais que existem. De que todos parem para pensar em qual é o projeto de mudanças sociais que queremos estabelecer depois de ocupar as ruas.
Queremos andar juntos pelas ruas, uma só juventude. Mas sempre comprometidos com uma práxis crítica e séria, e não com a cabeça encostada no senso-comum, sentindo um falso gostinho de democracia ao meramente ocupar as ruas e gritar para que o sistema e o governo tomem no cu.
Roberto Lyra Filho, um dos pilares teóricos das atividades de nosso grupo, defende que os direitos nascem das relações entre ordem e desordem na sociedade. Sedimentam-se conforme ocorrem as transformações sociais e legitimam-se na ordem que se estabelece como resultado dialético da tensão social. A pergunta é: NÓS, a juventude, estamos protagonizando uma onda de manifestações realmente capaz de conquistar novos direitos, principalmente aos espoliados? Realmente capaz de transformar a sociedade?
Do outro lado da tensão, está o bloco hegemônico, que ao longo de séculos vem cimentando forças centrípetas para garantir a resistência da ordem às transformações que lhe são indesejáveis. De mansinho, a ideologia dominante e conservadora já se apoderou de boa parte do que está acontecendo nas ruas, deslocando a indignação da juventude, a sua vontade de “mudar o mundo”, para eixos confortáveis, que, mesmo se questionados, não colocarão em risco a dominação classista.
Além disso, a cisão entre os manifestantes, pouco a pouco, vai deslegitimando o movimento que iniciou essa onda de protestos. Corremos o forte risco de ver algo grande nascer, tomar forma, dar esperanças, mas morrer ao final, andando de volta apenas os 20 vinte centavos e acabando por ficar sem sair do lugar.
O fato objetivo pelo qual começamos a nossa exposição foi a ocupação das ruas. Por dentro desse fenômeno, é possível sentir uma tensão social muito grande, da qual não sabemos ainda qual será o desfecho, o que será ou não conquistado pela juventude e qual será a síntese dialética desse processo todo.
Prezados e prezadas manifestantes, a indignação que une a juventude nas ruas do país torna-nos, a todos, companheiros em busca de nossa libertação. Vamos, portanto, em nome desse companheirismo, deixar de lado os interesses e valores individuais. Vamos questionar não apenas o sistema, mas também o conteúdo de nossas ações. Precisamos ter o cuidado com a manipulação ideológica conservadora que se infiltrou nas ruas para não cairmos em outra armadilha de perpetuação da dominação. Precisamos pensar não só nos interesses da classe média, incapazes de insuflar uma revolução autêntica. Vamos começar a pensar em uma práxis crítica que, de fato, leve a juventude a protagonizar transformações verdadeiras.


Londrina, 20 de junho de 2013.

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